sábado, 17 de junho de 2017

Fim do mundo



Passados difíceis que nos prometeram um fracasso redondo desde o início.

Do teu lado, um conflito externo. Uma guerra real. Mortes, famílias separadas, busca de um lugar a que possas chamar ‘casa’ em países estrangeiros e culturas estranhas que o teu espírito beduíno não consegue entender. Viagens forçadas, racismo e incompreensão. Tentaste cobrir tudo isso com uma camada superficial de alegria, da qual a tristeza se apodera na primeira oportunidade, qual guardanapo de papel sobre café derramado. Viajas a sítios onde não te consigo acompanhar.

Do meu lado, conflito interno. Paz aparente, estabilidade fingida, edifício de dez andares construído sobre alicerces de vidro – um destes dias vai quebrar. E como se não fosse suficiente, houve ainda um prenúncio devastador: quando comecei a acreditar em nós, tive o infortúnio de, por mera coincidência, reencontrar o meu demónio do passado. Histórias demasiado pesadas para partilhar que bloqueiam todos os caminhos para verdadeiramente chegar a mim. A todos.

Não falamos a mesma língua. Não temos pontos culturais comuns. Temos uma diferença de idade que apenas constitui mais um ‘não’. Acreditas mesmo que vale a pena perdermos tempo? O nosso tempo?

Escrevo estas palavras com uma sensação de peso no estômago. Sinto o esófago quente. As amígdalas parecem contrair-se ligeiramente na garganta, provocando o que seria talvez equivalente ao momento que antecede o vómito. Os meus olhos ameaçam aguaceiros fortes. Tenho uma sensação de dormência difícil de definir, não se sei bem se no esplénio da cabeça ou em qualquer outro músculo da alma. Creio que os teus beijos deixaram um final de boca amargo no meu pensamento.

Mas é apenas mais um. Fiquemos por aqui. Depois de tudo o que passámos, também não é o fim do mundo, pois não?

quarta-feira, 14 de junho de 2017

‘Habla conmigo Habana’



Cuba. País incrível de cores fortes, céu aberto, mar nostálgico, música alegre, ritmo intenso e arte frequente. Recheada de pobreza material e riqueza de espírito, eleva-se no Caribe esta ilha com a sua personalidade forte e carismática. 

La Habana é uma pérola onde o tempo ficou perdido algures entre edifícios imponentes em ruínas, de escadas e corrimãos de mármore de Carrara, e Chevrolets vertiginosos, de aspecto cuidado por fora e a cair de humidade e ferrugem por dentro. 

Ao chegar, o avião enfrentou uma tempestade tropical que provocou uma falsa aterragem, acelerando os corações dos passageiros. Após a luta do piloto contra a intempérie, a força humana prevaleceu – de outra forma provavelmente não estaria hoje a escrever...

Pois bem Cuba. Preparaste então uma tempestade para me receber? Como já não me bastava a cortina cinzenta do Inverno berlinense, decidiste pregar-me uma partida? Tens muito sentido de humor... Bom mas agora que aqui estou, como chegar ao centro de La Habana?

Alexey.

- Necessita de un Taxi?

Sim. Necessito e tu pareces-me simpático. Jovem bem parecido, vinte e poucos anos e cara de quem gosta de se divertir. Pequena e rápida negociação e já sai um pouco mais barato. Lá vamos nós, no ‘Tiburone Rabioso’, que é o nome do Chevrloet Bel Air do ano de 1957 e cor azul claro. A sua aparência é boa, mas assim que entramos na autoestrada questiono-me até que ponto é que isto foi boa ideia: o carro está na verdade a cair e tenho até dúvidas chegue ao meu destino. Bem, o Alexey parece confiante e eu tenho pouco a perder. Lá seguimos com o motor do pobre ‘Tiburone’ a queixar-se e a água a entrar por todos os lados – principalmente das aberturas onde outrora havia vidros. 

Alexey acelerou no carro e nas histórias de Cuba, contando mais do que eu esperava ouvir: explicou que por conduzir do aeroporto até ao centro da cidade cobrava mais do que se ganha num mês trabalhando para o Estado. E falou da falta de incentivos para se estudar. E foi falando e criticando abertamente o sistema. Eu não me pronunciei, anuindo apenas com o que ele foi dizendo: é o seu país, por mim ele pode criticar, mas eu não vivo ali, seria injusto criticar sem conhecimento aprofundado. Mas surpreendeu-me muito ouvir uma critica tão aberta ao sistema.

E entre trovões e críticas, virando na próxima à esquerda, lá chegámos à ‘casa particular’. À partida parecia fechada. Bati. Ninguém. As portas todas fechadas – também não admira, com este temporal... Quando já pensava que ninguém ia aparecer, uns olhos brilhantes surgiram numa fresta entre as madeiras da janela.

Yanko.

- Hola! Perdón la estába esperando pero por un momento fui al baño...

Ah, não tem problema! Obrigada. Então vamos lá ver esse quarto... E o quarto estava bem. E o Yanko recebeu-me com uma Canchanchara sonhadora. E as palavras de Martí ecoam em mim:

‘Yo sueño con los ojos
Abiertos, y de día
Y noche siempre sueño.’

Seguiram-se dias incríveis neste país fascinante que continuarão ‘hablando conmigo’ enquanto  memória assim mo permita.