domingo, 5 de março de 2017

Then I feel nothing...

I feel the pain of everyone / then i feel nothing’. O concerto começa. Gentes correm cá e lá buscando amigos, rindo fumando mais um - aquele - cigarro. A cerveja flui em gargantas secas e mentes sedentas de mais um gole de loucura e desinibição. O palco lá ao fundo ergue-se imponente. Aqui, não no palco, mas entre o público, se encontram aqueles que a procuram. Uns quantos loucos que arriscam a sua sorte.

Apareceram cheirando a colónia barata, calças vulgares e camisolas apenas meio decentes. Mentes vulgares, de pensamento corrente, que não trazem inspiração e cujo brilhantismo ou nunca existiu ou está expirado. Ao vê-los bem ao longe ela rola os olhos acompanhado por um esgar irónico nos lábios. Questiona porque a perseguem.

Perdida em pensamentos, sente uma mão agarrar-lhe o cotovelo. Com um sorriso entre o amarelo casual e o azul mordaz lança um cumprimento esverdeado. Pois bem, agora que não tem mesmo como fugir, permanece um pouco. Os equipamentos estão montados e o concerto está a começar. O baterista marca o ritmo, todos olham entusiasmados para o palco. Aproveitando um momento de desatenção em que ela deixa de ser o foco, foge para o meio do público, perdendo-se entre corpos vibrantes que se agitam, braços que se erguem e pernas que surgem aqui e ali desencontradas do chão de forma pouco natural.

Fugindo entre um mar de gente hesita. Pensa que talvez seja errado o que está a fazer. Sofre então a dor dos que tentam tudo mas não alcançam, dos que muito desejam e não podem,  dos que lutam mas perdem todas as batalhas, dos que se esforçam sem ver os seus esforços recompensados, dos que amam e não são amados, dos que apenas tinham um objetivo na vida e não o atingem, dos que se arrependem para sempre de uma oportunidade perdida. Dos frustrados. Daqueles a quem a vida tratou mal ou daqueles que trataram mal a vida, muitas vezes sem sequer disso se terem apercebido. Tem em si a dor dos outros porque a dor dos outros é também a sua. I feel the pain of everyone. 

O ritmo volta a subir. Sente-lhe o calor vibrante entre a multidão eclética. Suor. Respiração acelerada. Corpos dançantes que se agitam em seu redor. Depois é quase como se o corpo já não lhe pertencesse: sente-o a mover-se com ao ritmo da música e já nada mais importa. Se o mundo é injusto? Sim, é. Se todos sofremos? Sim, sofremos. Mas com a alma dormente, já não sente mais nada. O que interessa é a música e a amálgama humana, como que uma massa indefinida, quase como que disforme, irrequieta, que a envolve. O que interessa é mais um copo, aspirina para a alma. Then, i feel nothing.