quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Deixa para amanhã o que não tiveres de fazer hoje


Diz-nos um velho ditado popular “Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. Proponho refutá-lo dizendo: “Deixa para amanhã o que não tiveres de fazer hoje”.

Infelizmente todos nós temos um ‘prazo de validade’ e nunca teremos tempo para tudo o que sempre quisemos fazer. É uma realidade triste e óbvia. Não obstante, continuamos a viver as nossas vidas como se fossemos imortais e como se pudéssemos sempre mudar ‘um destes dias’, estabelecendo frequentemente prioridades erradas.

Para citar um exemplo muito prático, posso mencionar o que me aconteceu exactamente antes de escrever este post: lavei louça, arrumei roupa, aspirei, entre outras tarefas domésticas que, não só não me trazem qualquer sentido de realização pessoal, como não eram neste caso, verdadeiramente urgentes. Então porquê executar essas tarefas em vez de escrever, algo que para mim é tão mais importante? Apenas porque essas tarefas são simples e directas enquanto a escrita requer criatividade, podendo por vezes tornar-se frustrante ou mesmo dolorosa.

Um niilista muito provavelmente discordaria desta perspectiva argumentando que não interessa verdadeiramente o que se faz ou não se faz. Porém no meu entender, há que criar espaço para aquilo que é importante, aquilo que é o nosso propósito, aquilo que nos preenche. E para isso é preciso tempo para ‘fazer nada’, para que possamos ser criativos. Levamos a maior parte das nossas vidas a boicotar-nos arranjando formas inconscientes de nos desviarmos do que realmente importa.

O boicote acontece não só com as tarefas mais básicas (por exemplo as tarefas domésticas que descrevi – eu não defendo deixar de as executar, apenas defendo não as utilizar enquanto desculpa), mas também ao nível do trabalho. O workaholism é exactamente regido pelo mesmo fenómeno: é uma forma de escapar de consciência (mais ou menos) tranquila a outras ocupações ou tarefas que o nosso subconsciente sabe mais difíceis.

Para além destas tarefas que se poderiam julgar de certa forma ‘legítimas’, existe ainda uma panóplia de outras distracções que nos aliciam constantemente. Estamos sujeitos a um fluxo ininterrupto de informação que teima em nos manter ocupados. Vivemos num mundo de ‘Everything Now!’, bem descrito pelos Arcade Fire num verso que me agrada particularmente: “Every inch of space in my heart is filled with something I'll never start”.

Por isso afirmo mais uma vez (mais para mim do que para potenciais leitores deste post), deixa para amanhã aquilo que não tiveres de fazer hoje: sai cedo do trabalho, não te ocupes de tarefas desnecessárias, deixa o consumo de séries, filmes e música e larga o telemóvel.

Pára o ‘ruído externo’. E quando o ‘ruído’ tiver parado, pára. Pára um momento. Escuta. Ouves? 

Essa é a tua voz.