quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A realidade em que vivemos

Nascemos num mundo criado para nós, recheado de entretenimento para nos tornar passivos: pura manipulação de massas. Observemos a quantidade absurda de filmes desprovidos de conteúdo, a quantidade de séries (telenovelas do século XXI e está tudo dito...), a quantidade de acordes gastos em melodias repetidas e a quantidade de livros escritos cujas páginas deveriam ter simplesmente continuado a ser árvores. Tudo para nos manter entretidos: enquanto consumimos, não pensamos nem produzimos nós próprios. Não só não nos tornamos perigosos como ainda estamos dispostos a pagar por essa alienação. Os nossos gostos têm na verdade muito pouco de ‘nossos’, sendo incutidos por manobras de manipulação social. Já tenho ouvido pessoas a falarem das séries a que assistem com orgulho, quase como se tivessem ganho um troféu, ou como se tivessem feito uma grande conquista. Ocorre-me então uma ideia para uma distopia: uma sociedade em que as pessoas compravam tempo de vida mediante a quantidade de conteúdos consumidos, o que as faria, em última instância, viver para apenas consumir conteúdos. 

Trocamos o nosso tempo de vida por cada coisa que fazemos. Claro que devemos evitar paranoia a esse nível, se pensarmos demasiado nisso, acabamos numa ansiedade tal que certamente não podemos ser felizes. Mas será que as pessoas não se apercebem que estão efectivamente a trocar tempo de vida por um consumo de conteúdos inútil? Vamos imaginar uma série de 3 temporadas, cada temporada com 24 episódios e cada episódio com um tempo de duração de 1h. Se decidirmos assistir, fazendo as contas são precisamente 3 dias da nossa vida que trocamos por isso. Será que não havia mesmo nada mais importante a fazer com essas 72h? Pois bem. Entendo que muitas vezes este processo não é tão racional e linear como aqui o coloco. O argumento mais comum que tenho encontrado em relação às séries é o de que à noite, uma pessoa está cansada do trabalho, enredada em pensamentos muitas vezes negativos e precisa de se descontrair, por isso senta-se no sofá e, quase que por magia, ao ligar o ecrã, desliga o pensamento. Entendo. Eu própria também já o fiz,  muitas vezes, por isso sei exactamente o que isso significa. Significa por exemplo que, se hoje tivesse decidido tomar essa via, esta reflexão não existia e este post não teria sido escrito.

A próxima questão seria, claro: e este post interessa? Porque é que interessa mais que ver uma série? Em termos gerais de valor para a sociedade, também não tenho uma resposta. Não sei se este post será lido por alguém e se for, não sei se terá alguma utilidade. Aquilo que sei é que me é muito mais gratificante escrever, mas reconheço também que é muito mais difícil vencer a inércia associada a esta actividade. 

Tenho tentado sair da alienação das massas e dedicar-me o mais possível a explorar interesses mais específicos, reflectir verdadeiramente sobre eles e tentar criar ou aprender. Reconheço que não me tem sido nada fácil e escrevo este post como que um testemunho disso. Aqui estou eu, cansada e desiludida com o trabalho e com a vida, de coração partido por um preâmbulo de um relacionamento que não se desenvolveu, sozinha num país estrangeiro. Absolutamente só, a remar contra a corrente em busca de um raio de felicidade. Onde estás?

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Silk road não é suave...



A primeira vez que ouvi falar do Silk Road foi em 2013. Amigos meus falaram-me do quão fácil era comprar drogas online através do ‘dark side’ da Internet, utilizando o Tor para tornar o IP anónimo e Bitcoins para efectuar pagamentos. Na altura, o valor da bitcoin estava em cerca de 500€. Lembro-me de ter pensado que o valor desta moeda virtual era elevadíssimo (em Agosto deste ano, 2017, atingiu aproximadamente 3500€) e que todos estes conceitos eram simultaneamente abstractos, estranhos e fascinantes. 

No decorrer do ano de 2013, soube que o criador do Silk Road, Ross Ulbricht, tinha sido detido e que o site tinha sido encerrado. Fiquei ainda a saber que ele tinha sido apanhado onde vivia, São Francisco, para onde se tinha mudado em 2011 (pergunto-me se ele não teria estado presente numa certa festa onde eu estive...). Fiquei admirada por o terem apanhado nessa cidade: de todos os lugares, esse seria talvez, por ser tão óbvio, onde menos esperaria que ele estivesse.

Hoje vi um documentário da BBC e fiquei a saber um pouco mais sobre o Ross. Tem a minha idade (nasceu a 27 de Março de 1984) e está condenado a prisão perpétua sem possibilidade de recorrer. Tem  33 anos e está condenado a ficar para sempre preso - o resto da sua vida... Faz-me muita confusão e parece-me extremamente cruel.

A questão é que na minha perspectiva, ele não foi preso por ser um criminoso, mas por ter levantado uma questão inconveniente. Ele levou os seus ideais à acção talvez de uma forma algo naïf, já que no início não creio que se tivesse apercebido da dimensão daquilo que estava a criar - tanto que aparentemente reagiu com surpresa quando viu o Silk Road na imprensa pela primeira vez e usou o termo ‘épico’ para descrever o que se estava a passar. Ele utilizou ferramentas que estão acessíveis a todos para criar um portal para um mundo paralelo. Para mim, os verdadeiros motivos para ele ter sido condenado a uma pena tão pesada são realmente o facto de ser politicamente perigoso, de ter demonstrado ser possível agir à margem do sistema e, mais que isso, ter demonstrado que isso está ao alcance de todos. A ideia é extrapolável, não se finda no submundo que ele criou. 

A sua proposta de que as drogas deveriam estar acessíveis a quem as quiser tomar e que as transacções deveriam ser efectuadas de uma forma transparente e não violenta, desafia os sistemas políticos actuais.

O ser humano desde sempre procurou drogas. E o termo ‘drogas’ aqui pode ser utilizado de uma forma mais abrangente para referir mais que apenas substâncias: o ser humano sempre procurou algo que o ajude a atenuar emoções e/ou sensações que o incomodem, algo que aumente a sua sensação de bem-estar e que lhe permita de alguma forma uma sensação mística. No fundo algo que lhe permita, mesmo que por apenas uns momentos, alienar a dor da sua existência. Sejamos realistas.

Imagine-se que as drogas eram legalizadas: os recursos necessários para combater o crime gerado pelo tráfico poderiam ser investidos noutro tipo de aplicações. Por exemplo, na investigação de o que faz a humanidade verdadeiramente feliz, em educação e também nos efeitos que as drogas – verdadeiramente – têm na saúde humana, já que sobre isto, sabemos muito pouco. Não seria um melhor caminho ter uma sociedade informada e capaz de decidir por si aquilo que deseja fazer?

Além disso, se considerarmos por exemplo o álcool e o tabaco, estamos perante duas das drogas que mais danos físicos e maior dependência causam. E estas são legais. Porquê? Mesmo quando já existem tantos estudos e já nem a própria indústria pode negar os efeitos nocivos que têm no corpo, estas duas drogas continuam a ser legais e o seu consumo excessivo não só é aceite, como promovido pela sociedade. Todos o sabemos. Qual é então a lógica de estas drogas serem legais e as outras não? Se a ideia fosse proibir, não seria então mais coerente proibir todas as drogas? Ou pelo menos as mais nocivas?

Vivemos alienados. Todos os dias lemos notícias contraditórias sobre ‘o que faz bem e mal à saúde’. A verdade é que sabemos muito pouco sobre o nosso corpo e a nossa mente e não existem estudos independentes, há sempre interesses envolvidos. No meio de tanta informação contraditória, resta-nos apenas tentar ir juntando as peças do puzzle e fazer aquilo com que nos sentimos melhor.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Deixa para amanhã o que não tiveres de fazer hoje


Diz-nos um velho ditado popular “Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. Proponho refutá-lo dizendo: “Deixa para amanhã o que não tiveres de fazer hoje”.

Infelizmente todos nós temos um ‘prazo de validade’ e nunca teremos tempo para tudo o que sempre quisemos fazer. É uma realidade triste e óbvia. Não obstante, continuamos a viver as nossas vidas como se fossemos imortais e como se pudéssemos sempre mudar ‘um destes dias’, estabelecendo frequentemente prioridades erradas.

Para citar um exemplo muito prático, posso mencionar o que me aconteceu exactamente antes de escrever este post: lavei louça, arrumei roupa, aspirei, entre outras tarefas domésticas que, não só não me trazem qualquer sentido de realização pessoal, como não eram neste caso, verdadeiramente urgentes. Então porquê executar essas tarefas em vez de escrever, algo que para mim é tão mais importante? Apenas porque essas tarefas são simples e directas enquanto a escrita requer criatividade, podendo por vezes tornar-se frustrante ou mesmo dolorosa.

Um niilista muito provavelmente discordaria desta perspectiva argumentando que não interessa verdadeiramente o que se faz ou não se faz. Porém no meu entender, há que criar espaço para aquilo que é importante, aquilo que é o nosso propósito, aquilo que nos preenche. E para isso é preciso tempo para ‘fazer nada’, para que possamos ser criativos. Levamos a maior parte das nossas vidas a boicotar-nos arranjando formas inconscientes de nos desviarmos do que realmente importa.

O boicote acontece não só com as tarefas mais básicas (por exemplo as tarefas domésticas que descrevi – eu não defendo deixar de as executar, apenas defendo não as utilizar enquanto desculpa), mas também ao nível do trabalho. O workaholism é exactamente regido pelo mesmo fenómeno: é uma forma de escapar de consciência (mais ou menos) tranquila a outras ocupações ou tarefas que o nosso subconsciente sabe mais difíceis.

Para além destas tarefas que se poderiam julgar de certa forma ‘legítimas’, existe ainda uma panóplia de outras distracções que nos aliciam constantemente. Estamos sujeitos a um fluxo ininterrupto de informação que teima em nos manter ocupados. Vivemos num mundo de ‘Everything Now!’, bem descrito pelos Arcade Fire num verso que me agrada particularmente: “Every inch of space in my heart is filled with something I'll never start”.

Por isso afirmo mais uma vez (mais para mim do que para potenciais leitores deste post), deixa para amanhã aquilo que não tiveres de fazer hoje: sai cedo do trabalho, não te ocupes de tarefas desnecessárias, deixa o consumo de séries, filmes e música e larga o telemóvel.

Pára o ‘ruído externo’. E quando o ‘ruído’ tiver parado, pára. Pára um momento. Escuta. Ouves? 

Essa é a tua voz.