Nascemos num mundo
criado para nós, recheado de entretenimento para nos tornar passivos: pura
manipulação de massas. Observemos a quantidade absurda de filmes desprovidos de
conteúdo, a quantidade de séries (telenovelas do século XXI e está tudo dito...),
a quantidade de acordes gastos em melodias repetidas e a quantidade de livros
escritos cujas páginas deveriam ter simplesmente continuado a ser árvores. Tudo
para nos manter entretidos: enquanto consumimos, não pensamos nem produzimos
nós próprios. Não só não nos tornamos perigosos como ainda estamos dispostos a
pagar por essa alienação. Os nossos gostos têm na verdade muito pouco de
‘nossos’, sendo incutidos por manobras de manipulação social. Já tenho ouvido
pessoas a falarem das séries a que assistem com orgulho, quase como se tivessem
ganho um troféu, ou como se tivessem feito uma grande conquista. Ocorre-me
então uma ideia para uma distopia: uma sociedade em que as pessoas compravam
tempo de vida mediante a quantidade de conteúdos consumidos, o que as faria, em
última instância, viver para apenas consumir conteúdos.
Trocamos o nosso
tempo de vida por cada coisa que fazemos. Claro que devemos evitar paranoia a
esse nível, se pensarmos demasiado nisso, acabamos numa ansiedade tal que
certamente não podemos ser felizes. Mas será que as pessoas não se apercebem
que estão efectivamente a trocar tempo de vida por um consumo de conteúdos
inútil? Vamos imaginar uma série de 3 temporadas, cada temporada com 24 episódios
e cada episódio com um tempo de duração de 1h. Se decidirmos assistir, fazendo
as contas são precisamente 3 dias da nossa vida que trocamos por isso. Será que
não havia mesmo nada mais importante a fazer com essas 72h? Pois bem. Entendo
que muitas vezes este processo não é tão racional e linear como aqui o coloco.
O argumento mais comum que tenho encontrado em relação às séries é o de que à
noite, uma pessoa está cansada do trabalho, enredada em pensamentos muitas
vezes negativos e precisa de se descontrair, por isso senta-se no sofá e, quase
que por magia, ao ligar o ecrã, desliga o pensamento. Entendo. Eu própria
também já o fiz, muitas vezes, por isso
sei exactamente o que isso significa. Significa por exemplo que, se hoje
tivesse decidido tomar essa via, esta reflexão não existia e este post não teria sido escrito.
A próxima questão
seria, claro: e este post interessa?
Porque é que interessa mais que ver uma série? Em termos gerais de valor para a
sociedade, também não tenho uma resposta. Não sei se este post será lido por alguém e se for, não sei se terá alguma utilidade.
Aquilo que sei é que me é muito mais gratificante escrever, mas reconheço
também que é muito mais difícil vencer a inércia associada a esta
actividade.
Tenho tentado sair
da alienação das massas e dedicar-me o mais possível a explorar interesses mais
específicos, reflectir verdadeiramente sobre eles e tentar criar ou aprender.
Reconheço que não me tem sido nada fácil e escrevo este post como que um
testemunho disso. Aqui estou eu, cansada e desiludida com o trabalho e com a
vida, de coração partido por um preâmbulo de um relacionamento que não se
desenvolveu, sozinha num país estrangeiro. Absolutamente só, a remar contra a
corrente em busca de um raio de felicidade. Onde estás?