‘I feel the pain of everyone / then i feel
nothing’. O concerto começa. Gentes correm cá e lá buscando amigos, rindo
fumando mais um - aquele - cigarro. A cerveja flui em gargantas secas e mentes
sedentas de mais um gole de loucura e desinibição. O palco lá ao fundo ergue-se
imponente. Aqui, não no palco, mas entre o público, se encontram aqueles que a
procuram. Uns quantos loucos que arriscam a sua sorte.
Apareceram
cheirando a colónia barata, calças vulgares e camisolas apenas meio decentes.
Mentes vulgares, de pensamento corrente, que não trazem inspiração e cujo
brilhantismo ou nunca existiu ou está expirado. Ao vê-los bem ao longe ela rola
os olhos acompanhado por um esgar irónico nos lábios. Questiona porque a
perseguem.
Perdida em
pensamentos, sente uma mão agarrar-lhe o cotovelo. Com um sorriso entre o
amarelo casual e o azul mordaz lança um cumprimento esverdeado. Pois bem, agora
que não tem mesmo como fugir, permanece um pouco. Os equipamentos estão
montados e o concerto está a começar. O baterista marca o ritmo, todos olham
entusiasmados para o palco. Aproveitando um momento de desatenção em que ela deixa de ser o foco, foge para o meio do público, perdendo-se entre corpos vibrantes
que se agitam, braços que se erguem e pernas que surgem aqui e ali
desencontradas do chão de forma pouco natural.
Fugindo entre um
mar de gente hesita. Pensa que talvez seja errado o que está a fazer. Sofre
então a dor dos que tentam tudo mas não alcançam, dos que muito desejam e não
podem, dos que lutam mas perdem todas as
batalhas, dos que se esforçam sem ver os seus esforços recompensados, dos que
amam e não são amados, dos que apenas tinham um objetivo na vida e não o
atingem, dos que se arrependem para sempre de uma oportunidade perdida. Dos
frustrados. Daqueles a quem a vida tratou mal ou daqueles que trataram mal a
vida, muitas vezes sem sequer disso se terem apercebido. Tem em si a dor dos
outros porque a dor dos outros é também a sua. I feel the pain of everyone.
O ritmo volta a
subir. Sente-lhe o calor vibrante entre a multidão eclética. Suor. Respiração
acelerada. Corpos dançantes que se agitam em seu redor. Depois é quase como se
o corpo já não lhe pertencesse: sente-o a mover-se com ao ritmo da música e já
nada mais importa. Se o mundo é injusto? Sim, é. Se todos sofremos? Sim,
sofremos. Mas com a alma dormente, já não sente mais nada. O que interessa é a
música e a amálgama humana, como que uma massa indefinida, quase como que
disforme, irrequieta, que a envolve. O que interessa é mais um copo, aspirina
para a alma. Then, i feel nothing.